foto-Marcelo Régua -O Globo 5/02/89
" "FESTA PROFANA a GENITÁLIA DESNUDA"
"Os que jurassem a "Trégua de Deus", tinham o perdão de seus pecados".
A quebra do juramento acarretava grave consequência, a excomunhão.
O Olimpo estava em festa, em desvairada alegria, houve, então um consenso, trégua de Deus, enquanto frenéticos e inebriados mortais, entoariam :"Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre nós!
Era a catarse, a expurgação, o prelúdio da expiação.
As deusas digladiavam por privilégios, mas Afrodite , nascida para o amor, seduziu o deus Baco e tramou em tessitura erótica, o enredo "Festa Profana."
Vigoroso e devasso, deus Dionísio, reencarnou no rei de Roma , sedutor seduzido por Afrodite que plasmada em desejo e luxúria, incorporara ao meu indomável ser.
No templo sacro-profano proibiram o deus cristão, contudo a deusa pagã, se exibiria em explícita fantasia bacante.
Cumplicidade na arte e no prazer , a humanidade salivou e copulou escopofilicamente, amor e sexo foram vivenciados em miríades de manifestações de euforia libidinosa.
" Entre todos estes que hoje vieram não veio mais que uma mulher, moça a qual estava sempre à missa e a quem deram um pano com que se cobrisse. Todavia ...não se lembrava de o estender muito para se cobrir.
"Assim Senhor , a inocência desta gente é tal que a de Adão não seria mais com respeito ao pudor."
Desci do Olimpo para o altar da Catedral do Samba. Na procissão bacante , na Festa Profana, Afrodite veio vestida pela divina luz do luar , fantasiada de amor, orgasmando em êxtases, físico, mental e espiritual. Provocara o interdito, no espaço bendito, em tempo inaudito.
"O rei mandou cair dentro da folia, e lá vou eu (e lá vou eu) o sol que brilha nessa noite vem da Ilha , lindo sonho que é só meu!"
Imantados pela energia da deusa Afrodite, seriam todos iniciados no erotismo, feitos discípulos do gozo solene, sacerdotes e sacerdotisas do prazer divino e eterno
Eu, como uma mênade, gozara a multiplicidade de toques, de formas, de êxtases.
Convidada pelo carnavalesco Ney Ayan , para encarnar Afrodite na Avenida, fiquei a vontade para criar a minha fantasia. Passara o domingo do desfile, fazendo amor , com o "Rei de Roma".
Na Avenida me senti como um totem espargindo energia sexual, vibrações e emanações amorosas na orgia sacro-profana.
O carro alegórico reproduzia um templo, e eu , no alto, trazia nos braços uma capa de musseline transparente , que em movimentos dançantes, num abrir e fechar de braços, exibia por segundos, a nudez total.
Todos enlouqueciam à minha passagem, amigos, repórteres, fotógrafos, cinegrafistas, seguranças, movimentavam-se desordenadamente , mas os olhares hipnotizados se mantinham fixados, no meu centro gozoso.
Mulheres de idades diversas, umas com ar tímido, outras com com malícia, olhavam e intimavam com toques seus parceiros , a flagrar a olhos nus ou com binóculos a minha explícita e exibida zona sexual.
Os desfilantes próximos, explodiam em pura lascívia.
Na transmissão de TVs , os apresentadores, faziam pausas suspeitas e a voz vinha alterada.Mesmo assim as câmeras frisavam a imagem e faziam efeitos.
A União da Ilha , conquistou o terceiro lugar, desfilando no sábado das campeãs. O carro sumiu após o desfile e até hoje não se teve notícia.
Desfilei no carro da deus Ísis, e exibi novamente a nudez explícita, total, a genitália desnuda do carnaval. A "Festa Profana" transformou-se num momento único de exibicionismo , em que qualquer mulher que se permitisse experimentá-lo , usufruiria de uma endeusação, transcendental.
No enredo "Aquarilha do Brasil " eu vim como Rainha do Flamengo e notabilizei-me por me desfilar , como uma tela, nua, representando uma fogueira rubro-negra, crepitando no órgão sexual e lambendo o corpo todo. Foi o primeiro nu frontal do carnaval, em 1988, na União da Ilha.
A consagração arrebatadora eclodiu com a deusa do amor, Afrodite, na Festa Profana , em 1989, na eterna alumbrada União da Ilha, para entrar para a história!
Exibi a genitália pintada e desnuda, fui um divisor de águas, no carnaval, assim como Moisés no Mar Vermelho, abrindo passagem para a liberdade e a ousadia, passarem em triunfo.
Eu fui o interdito, a bandeira libertária, o despudor que gerou pudor.Eu virei um mito, uma lenda, uma legenda, um eterno símbolo sexual.
Detenho o DNA, o pátrio poder da genitália desnuda. Sou peça única, irreproduzível.
Hoje nominada e batizada pelo mestre e predador intelectual, cúmplice do futebol e do carnaval Fábio Fabato, como "Patente da Genitália Desnuda, História da Avenida.
"Meu passado não me condena e minha nudez não foi castigada."
Sou dessa família de mulheres que inventam outro mundo , que não se amansam.
Sou a índia das vergonhas cerradas, como a que Caminha narrou, e também a Leila Diniz, Elvira Pagã. Sou a continuidade da saga de Luz Del Fuego, todas Rainhas do Carnaval.
Sou fascinada por Malher , que acrescentou a percussão e a voz humana à orquestra, o toque do plexo solar, assim como a cadência do samba, o som do desejo e do divinal prazer.
Felizmente , não houve, excomunhão , mas a legislação foi promulgada , para conter os ímpetos desbravadores e desnudos dos artífices e dos párticipes, de libertárias festas vindouras.
Assim fui coroada em tríplice aliança, estreei na União da Ilha, marquei presença na irreverente e desinibida São Clemente, a prima sapeca "Garota Zona Sul" e desfilei na polêmica Caprichosos de Pilares , famosa por exibir sátiras divertidas.
Como toda a família que se preza, tem sempre uma "prima gostosa" e exuberante, houve por bem, aflorarem três delas, no clã Carnelevamen, como sempre, disseminando alegria, provocação, irreverência e tesão.
Em linguagem de instintiva ousadia, libertas de todo o pudor, desnudos os seios, desfraldando bandeiras revolucionárias, em críticas fantasiadas de bom humor.
São as ovelhas negras das famílias, a transgressão prazerosa é sair com elas, fazer amor, e desfilar na avenida, exibindo o estandarte entusiasta da provocação, da libertação, da excitação.
Para a cultura do Éden Tupiniquim, as primas sapecas do carnaval , esbanjam brejeirice , dengo, malícia, sedução e encantamento.
O Carnaval é imperioso, é híbrido, é a celebração em transe, a exibição esplendorosa dos sentidos, é a revivificação de vidas vividas e incorporação de existências imaginárias. O carnaval é o cerimonial de gozosos pensadores, refinados porta-vozes da cultura e da arte, os cúmplices e amantes do rito, da festa, da história, do fato, do movimento revolucionário, da glória.
É mantra imperioso, evocar e invocar a trindade, a tríade, a trilogia , no meu caso, futebol, samba e carnaval (rimando com sexo), os três êxtases, as três primas sapecas do carnaval, as três cores da minha idolatrada e amada União da Ilha, o vermelho da paixão, o azul do infinito prazer e o branco, da paz, da trégua de Deus!" Enoli Lara
Enoli Lara- escritora, escultora e atriz. Lançou a autobiografia "Trilogia do Prazer a sacerdotisa do sexo . Narra a sua saga carnavalesca, da Apoteose para o mundo , a sua história na macro arte, pintada, emoldurada e frisada no reino da fantasia bacântica,(.Nova Razão Cultural-2011)
Enoli Lara assina o posfácio do livro AS Primas Sapecas do Samba. Fábio Fabato- NovaTerra Editora-2015
Enoli Lara assina o posfácio do livro AS Primas Sapecas do Samba. Fábio Fabato- NovaTerra Editora-2015
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