quarta-feira, 2 de outubro de 2013

ENOLI LARA A Sacerdotisa do Sexo, by Joaquim Ferreira dos Santos

UMA SACERDOTISA DO SEXO NA TERRA DO UIRAPUAMA" " Quem sou eu? Bem, a Tônia Carrero uma vez me apresentou ao Veríssimo dizendo "Você agora vai conhecer uma bunda pensante.É uma honraria ter nascido com uma bunda perfeita numa época em que isso era dado pelo Divino e não pelas academias de ginástica. Mas esse mérito passa, eu sei que cai da mesma maneira que a maça do Newton caiu, e depois que cruza uma esquina do tempo, cruza outra esquina da existência, na terceira esquina ninguém está mais entortando o pescoço para te olhar. Estamos na Terra de Uirapuama, e , se você não acreditar vá ao dicionário. Uira é pau, Uama é ereto. Uirapuama, designa uma raiz afrodisíaca da Amazônia. sei do machismo, mas namorei os melhores jogadores de futebol.Driblo.Se alguém me olhar de frente, vai ver escrito na camisa:"Quem foi ousada não permite que a amansem".Não é minha.É frase da Isadora Duncan, a dançarina dionisíaca.Sou desse DNA. Ganhei U$ 40 mil processando o banco que usou a foto da minha bunda, em close, sem dar créditos, sem pagar direitos.Eles achavam que, na multidão de bundas das nacionais, todas são anônimas e iguais. Não a minha, meus queridos, e peguei a indenização.Gastei quase tudo, perdi a outra parte na Bolsa, mais algum na Coroa-Brastel, e aqui estou. Sem grana, sem os 500 sapatos que já tive, sem rancor, apenas com uma prótese acertando os seios.O resto é meu. Tive homens biliardários.Quando o amor acabou, o desejo baixou, eu bati a porta da cobertura e deixei para lá. Zero de arrependimento e culpa.Li "Brás Cubas e "Iracema", sempre com um catecismo do Zéfiro dentro.Deu nisso. Eu sou além da bunda, por mais socrática que seja a minha e dela muito me orgulho.Cleópatra? Messalina?Decifrem-me. Acho que continuo a saga de Luz Del Fuego, morta por motivos políticos na ilha de nudismo.tenho a ver com a Betty Page, que inventou a franja convexa e o biquíni de oncinha nos anos 50. Todas transgressoras e incompreendidas.Eu sou aquela índia que estava na carta do Pero Vaz de Caminha, a primeira de todas as transgressoras nacionais.Os portugueses dão um pano para que ela se cubra, mas ao se sentar, certamente por malícia e para enfeitiçar o dominador, ela não cobre as partes com ele. Eu sou a índia das ver-gonhas redondas, como as que o Caminha narrou, e também a Leila Diniz, e também a Elvira Pagã.Quero seduzir, ser desejada, e equilibrar a volúpia de todas as mulheres do mundo com a doçura de uma mulher qualquer.Somos carentes de proteção. Os homens sempre me viram como um animal do prazer,uma máquina pronta para o sexo.Correspondi.Não me arrependo.Foi assim em família , quando percebi o poder de provocar o desejo físico nos meus tios.Nunca tive noção de pecado até confessei ao padre o que eu fazia, como era apaixonada por meu pai, pelo contato com o corpo dele, pela farda de policial dele, e o padre disse que eu era um ser em estado de pecado. Na Índia não seria; entre os egípcios, que permitem o casamento de irmãos, muito menos.Fui marcada por essas oposições, Zéfiro e Jesus, Madre Tereza de Calcutá e Anilza Leoni, e até hoje busco tanto o êxtase físico quanto o emocional e o intelectual. Li Bataille , em "O Erotismo".Sei que o libertino está mais próximo dos santos que o homem sem desejo.Eu sou.Os limites para a sexualidade foram criados por razões econômicas e não morais.Constituir família, deixar herança,essas coisas.Também li Francesco Alberoni e sei como o homem descobriu o amor.Foi quando deixou de sair à caça, teve mais tempo e, ao se deparar fazendo sexo mais de uma vez com a mesma mulher, descobriu o sexo ventral.Homem e mulher se olharam nos olhos e disseram "é você que eu quero". Tem história mais bonita? Eu sou epicurista, muito prazer.Desde sempre me movo pela libertação dos sentidos , os pelos ao vento ateu, e narro isso em forma de arte.Sou escultora.A primeira obra que fiz era um falo.Dei para a Janete Clair, e ela,com aquela capacidade dos grandes artistas de ver através do óbvio, disse " que freira linda".Sou o mistério da felação, o delírio da comunhão, tudo na mesma escultura. Quero lançar o livro da minha vida, "Trilogia do Prazer"-Sacerdotisa do sexo, e mostrar que a verdade é meu trunfo maior.Meu passado não me condena e minha nudez não foi castigada.Fiz sexo com três irmãos ao mesmo tempo. Um padre enfiou a hóstia consagrada com a língua dentro da minha boca. Fiz sexo em cima de uma lápide no cemitério, agarrada a uma cruz como se estivesse algemada. No carnaval, depois de desfilar coberta apenas de purpurina, eu dei permissão aos soldados que tinham acabado de me salvar das mãos da multidão de fazerem o serviço com suas próprias mãos. E tudo isso foi bom, de nada me queixo. Agora quero contar com as minhas palavras, e uma vez o embaixador vasco Leitão da Cunha, confirmando estar diante de uma bunda que pensa, disse, que eu tinha o português mais castiço da minha geração.Sei as palavras certas para todos os momentos.Um pau ereto no meu livro é descrito, pode ir ao dicionário, como se "oblanceolado" estivesse. E aí , você já me decifrou? sou uma sinfonia de Mahler, porque ele colocou a percussão nas orquestras , e a percussão , por bater no plexo solar, é o som do orgasmo e do desejo.É assim que me ouço. Eu sou a filha das certinhas do Lalau, da Norma Bengell nos "Cafajestes" e da Ítala Nandi no "Rei da Vela".Gosto da Heddy Lamar, a austríaca que fez o primeiro nu frontal no cinema, mas não só por isso.Ela descobriu , fazendo dueto com um pianista, os sinais que deram a partida na telefonia celular.Era linda, bacharelanda em artes. Sou dessa família.Mulheres que inventam outro mundo, não se amansam e ao mesmo tempo- no meu caso é só você ir na loja da Ana Maria Niemeyer confirmar-cedem o corpo perfeito para inspirar esculturas de grandes artistas.Fomos todas criadas na mesma igreja.Algumas se suicidaram , como Marilyn Monroe, mas não será o meu caso, embora entre os finais que eu veja para mim está o da cela de um monastério. Sempre gostei do sagrado, tenho um filho teólogo, professor de criacionismo.Não o induzi, não o seduzi e, para terminar em rima,não envelheci. Quando passo em Ipanema e algum porteiro diz"coroa enxuta", eu mando de volta que as coroas são para os reis. Acho que , depois das melancias, das mulheres-frutas que passam de acordo com as estações, as revistas deviam se mirar nas mulheres clássicas.Eu sou. Tirei a roupa muitas vezes por dinheiro.Em outras porque tenho a certeza de que a nudez é a maneira mais radical e clara de mostrar como está livre a sua alma." Joaquim Ferreira dos Santos - O Globo Outubro de 2009 Trilogia do Prazer a sacerdotisa do sexo - Enoli Lara

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